Sabe uma pessoa que você reconhece pela risada? A Natália é assim. Uma pessoa que você não conhece, mas tem vontade de dividir a mesa do bar para falar sobre a vida, sobre o amor, sobre a complexidade do ser humano ou qualquer outro assunto - porque ela passeia por todos sem rodeios e com muito carisma.
A Naty tem uma história interessantíssima, que eu vou deixar você descobrir sozinho, consumindo o conteúdo que ela produz. Não para fazer suspense, mas porque eu jamais conseguiria contar sobre a vida dela e tamanha profundidade em poucas linhas.
Para quem quiser (e eu desejo que você queira), a Naty abre o peito toda quarta-feira num novo episódio do podcast Para dar nome às coisas.
1) Você fala sempre da centésima martelada, aquela que quebra a pedra, e a gente tende a esquecer das outras 99 marteladas que vieram antes para aquilo acontecer. Como faz para lembrar que estamos num processo para chegar a um objetivo e que ele pode não ter acontecido ainda, mas pode acontecer na próxima martelada? Como que não desanima, não perde o fôlego?
Essa pergunta me fez lembrar de uma história que eu li num livro - não lembro exatamente qual foi, minha memória pode estar extremamente falha mas, se não me engano, foi num livro do Max Lucado. Ele contava a história de uma nadadora, que era nadadora de mar aberto, então é aquele contexto em que você tem pouco controle, não tem controle sobre o mar. Você tem controle sobre o que você é, sobre o quanto você se preparou, sobre o que você tem para entregar, mas não consegue controlar quantas ondas vão bater no seu corpo, se o mar vai baixar, se ele vai ficar bravo ou não, se o tempo vai fechar ou não. Você não tem controle sobre várias coisas que estão acontecendo ali.
E aí o Max conta que, sempre que essa nadadora está nadando em mar aberto, tem um barco pequeninho, que fica ao lado dela para que, caso aconteça alguma coisa, se ela começar a passar mal, se ela pedir para sair do mar por alguma razão, tem esse barco que consegue resgatá-la.
Chega um dado momento da competição e a nadadora começa a passar muito mal de cansaço. Ela está muito cansada e está a ponto de desistir, mas o técnico diz “não desiste, falta pouco”, e ela fica naquela angústia porque ela está tão cansada que não consegue mais enxergar o ponto de chegada. E o técnico diz que está perto mas, como ela não está enxergando esse ponto de chegada, chega o momento em que ela desiste. E aí, quando ela sobe no barco e vê a situação de cima, ela fala “putz, eu estava a apenas quatro braçadas da chegada”.
Que bom seria se a vida fosse assim, se a gente pudesse sempre ter essa garantia de que, se a gente continuar na corrida, se a gente continuar na braçada, a gente vai chegar lá. Mas a verdade é que não há essa garantia.
Por isso vou responder a sua pergunta com uma reflexão que eu sempre faço, que já falei no Para dar nome às coisas e é uma reflexão que o Villy Fomin faz e que, diante desses mares abertos, diante dessa mais uma martelada em que eu sinto que parece que as últimas 87 não funcionaram, eu sempre me pergunto: por que estou fazendo aquilo?
Porque às vezes, eu acho que pra gente não desanimar, a gente tem que ter muito claro dentro da gente que aquilo que a gente tá fazendo vale a pena.
Não é sobre dar certo ou não dar certo. Não é sobre chegar ou não chegar no fim do caminho, no fim da jornada. Não é sobre a pedra rachar ou não rachar, é porque aquilo vale a pena.
Quando a gente era adolescente e estava reclamando de algo que estava muito difícil ou estava sofrendo por algo que não tinha acontecido, meu pai sempre dizia:” vocês querem ou vocês querem mais ou menos? Você quer de verdade? Porque, se você quiser de verdade, talvez você tenha que tentar mais uma vez, talvez você tenha que continuar.” E isso é menos sobre produtividade e mais sobre aquilo em que você acredita.
A minha resposta sobre não desanimar é desanime, mas se pergunte: isso vale a pena pra mim? Isso faz sentido pra mim? Eu tô continuando pelo quê? É pela garantia de que vai dar certo ou pela certeza de que vale a pena? Porque tem coisas que valem a pena e que não dão certo. Tem coisas que valem muito a pena mas que, no final das contas, não dão certo. Mas, porque valem a pena, já deram certo.
2) Na dedicatória do livro que comprei, você escreveu “Honra o teu coração” e acho isso tão, mas tão lindo, que gostaria que todas as pessoas soubessem e fizessem. Para você, o que é honrar o teu coração?
Honrar o meu coração significa ser capaz de seguir adiante, apesar do meu perfeccionismo, apesar da crença de que só serei amada, reconhecida, de que eu só terei valor se eu for absolutamente perfeita. Honrar o meu coração é conseguir honrar a minha espontaneidade, honrar aquilo que não é linear, aquilo que talvez só eu entenda.
Honrar o meu coração é correr o risco de ser incompreendida. É correr o risco de ser a única pessoa que entende completamente, profundamente, intimamente algumas coisas em que acredito. É experimentar um pouco desse lugar. Honrar o meu coração é ser capaz de seguir adiante, seguir em frente, apesar de ter a sensação de que, talvez eu seja incompreendida.
Honrar o meu coração é, sobretudo, sobre coragem. E coragem pra ser quem eu sou. Isso é uma coisa que outro dia eu pensei, acho que até falei no Para dar nome às coisas, que eu tinha vivido uma situação. Sabe quando você se manifesta de um jeito muito espontâneo e meio que destoa do grupo? E aí, quando vai dormir, você pensa: “nossa, que mico”. Mas daí, no minuto seguinte, eu pensei: não tem nenhuma outra pessoa que eu pudesse ser naquele momento que não eu. Não tinha nenhuma outra versão, não tinha nenhuma outra possibilidade para eu apresentar que não eu, que não quem sou eu. Mesmo que eu não tivesse feito aquilo, eu ainda seria eu. Então acho que honrar o meu coração é, sobretudo, honrar aquilo que considero de mais verdadeiro em mim. De mais genuíno em mim.
3) Como é a tua relação com a escrita e como funciona o teu processo criativo para o Para dar nome às coisas? Você reserva um tempo todo dia para escrever ou o episódio surge na tua cabeça?
Sou muito grata pela minha relação com a escrita porque acho que a escrita não só me ajudou a me entender, como ela me entendeu também, sabe? Ela me levou para um lugar de compreensão muito profundo e eu sou muito grata por isso.
Eu escrevo desde muito nova. E eu escrevo desde muito nova para dar contorno, para conseguir entender coisas que eu não entendia. Eu escrevia para poder ler aquilo que eu precisava entender, aquilo que eu precisava escrever por dentro. Escrever sempre esteve muito presente, desde muito nova. Eu lembro de ter 10 anos e ter diários e escrever histórias infantis e, quando eu escrevia essas histórias infantis, era muito para dar contorno às minhas fantasias, de um novo mundo. A escrita sempre foi a materialização de muitas coisas, tanto a materialização da angústia ou a materialização da felicidade, quanto a materialização da fantasia, da magia. Tenho uma relação de gratidão.
Tenho uma amiga que é uma super leitora, escreve também, e ela diz: “sou muito grata por quem me alfabetizou. Hoje posso escrever porque alguém me alfabetizou”. E eu divido essa mesma sensação.
Sobre o meu processo criativo, eu não tenho um método. Na verdade, cada semana é uma semana. Tem semana que escrevo quando acabo de acordar, deitada na cama ainda, me vem um insight e eu começo a escrever. Tem dias que estou lavando a louça e sou atravessada por uma coisa e eu começo a escrever. Tem dia que eu sento na frente do computador sem saber sobre o que eu vou escrever. Mas eu não tenho um método. Meu processo criativo é bem fluido. E eu respeito bastante isso, é uma coisa que eu aprendi a respeitar.
Tem semanas que são mais sofridas, que eu falo: “gente, eu não sei o que eu vou falar essa semana”. Não só eu não sei sobre o que vou falar mas tem semanas que eu não sei nem se eu quero falar. Mas acho que faz parte. Como diz a Betânia, “faz parte do meu ofício”. E a escrita no Para dar nome às coisas é o meu ofício.
Então eu deixo o processo criativo solto. Acho que isso é muito bonito também, isso eu nunca falei no podcast, eu acho, mas escrever no Para dar nome às coisas é, também, um aprendizado sobre confiança. Antes eu ficava muito tensa pensando “nossa, mas o que vou falar na semana que vem?” E aí, a cada semana que passa, em que eu falo “não sei o que vou falar na semana que vem”, de repente um assunto me atravessa e eu falo “cara, isso merece um episódio.” É muito bonito porque é, também, um desconvite ao controle. A gente começa a perceber que as coisas que precisam ser apresentadas se apresentam, embora, como todo o ofício, eu acho que exige compromisso.
Ontem uma pessoa me perguntou o que eu fiz, de fato, para me tornar escritora. E eu gostaria de dizer que já nasci escritora, que sempre escrevi os melhores textos na escola e lancei um livro com 12 anos, mas não foi nada disso. Eu demorei para me enxergar como escritora e, por ter cursado jornalismo, eu me descrevia como jornalista e só.
Mesmo escrevendo todos os dias desde novinha, devorando pilhas de livros e preenchendo cadernos com textos que eram o mais puro suco da minha realidade, dos meus sentimentos e das minhas vivências.
Quando recebi a pergunta ontem, me veio uma frase do Manoel de Barros, que eu adoro: “Não quero dar informação, quero dar encantamento.” Talvez tenha sido aí que comecei a separar a Manuela jornalista da Manuela escritora - se é que é possível separar. Para mim, o jornalismo serve para informar, tem obrigação com a verdade e precisa de dados, do depoimento de outras pessoas. Enquanto ser escritora é uma criação livre, é uma escrita que vem de dentro e transborda. Toda a escrita tem objetivos: há quem escreva para fazer rir, para contar causos de terror, para documentar a história da família. Eu, com a licença do meu quase xará Manoel de Barros, escrevo para dar encantamento.
Então, Lud, para responder a tua pergunta, o que eu fiz para me tornar escritora tem menos a ver com as minhas produções e aprendizados e mais com a coragem de estufar o peito, encher a boca e dizer: sou escritora.
Um abraço bem apertado,
Manu
Ahhhh...
A cada news eu me encanto mais, com certeza é isso que vc faz: encantar!
... E obrigada por me lembrar de "honrar meu coração"!
Esses "respiros" no meio da semana tem sido maravilhosos <3
Veio como uma martelada! Como diria Nietzsche: suportamos quase qualquer como se tivermos um porquê! Honrar o coração talvez seja o principal para darmos sempre mais um passo. E agora.